Uma das chaves da nossa liberdade foi aquele turismo dos anos sessenta. Ele introduziu em Portugal novas formas de viver, amar e viajar. Havia francesas que iam à praia de bicicleta, levavam no cesto do guiador um livro de Sartre, e de noite mostravam a uns pescadores de aspecto rude e pelo encrespado nas canelas, que fazer amor não era o mesmo que devorar ferozmente um grelhado com a fome atrasada, mas uma prática lenta e harmoniosa cheia de imaginação. Sobre a areia das praias ainda limpas e desertas as suecas despiam sem maldade os seus esplêndidos corpos à frente da guarda republicana, que claudicava perante a sua inocência insolente. Também por essa altura chegaram os primeiros biquínis, os primeiros descapotáveis, as primeiras bebidas longas nas esplanadas a ouvir música pop ao entardecer. Apareceram igualmente os primeiros colares de sementes sobre a pele queimada, as primeiras noites de jasmim, as primeiras sandálias gregas, as primeiras saias floreadas, que à mercê da brisa do mar deixavam ver enormes pernas bem torneadas com pelagem de pêssego.
Chegaram igualmente a Portugal os primeiros professores de Alemão e anglo-saxónico em ano sabático apaixonados pela nossa cultura popular. E as raparigas estrangeiras obrigaram muitos jovens universitários a entrar pela primeira vez nos museus da capital e monumentos mais significativos, mas para cortejá-las.
Na época o Algarve ainda não estava pulverizado à descrição com cimento armado, ao que acudia um turismo que adorava o sol, e também os nossos monumentos, ruínas e catedrais. (Entre dois, a convivência sempre se estabeleceu pelo nível inferior). Aqueles primeiros turistas estrangeiros eram muito selectos e tiveram que moldar-se a alguns dos nossos costumes grosseiros e atávicos, mas deles uma geração de portugueses aprendeu a desmistificar o sexo, a vestir, a intuir a glória da liberdade e inclusive a passear um copo de bebida na mão pela rua. Mas além da especulação e do mau gosto, o pior foi como se vendeu a nossa costa quase toda, desde o Algarve ao Minho, à excepção de algumas partes.
A partir da sua inexorável degradação também o turismo se foi degradando até pôr-se à mostra este enorme lodaçal de cimento que cobre boa parte da nossa costa. Se ao nível da convivência esta se estabeleceu sempre por baixo, de então para cá a nossa forma de viver marcou esse turismo cada vez mais ruidoso, e só espera de nós que sejamos seus camareiros servis. Enquanto o sol que lhes fomos dando, lhes queima a barriga…
O turismo como industria tem sido alvo duma enorme atenção por parte dos governos, que ficam ávidos na sua promoção, mas este anseio tem-se repercutido negativamente no desenvolvimento de actividades tradicionais como a agricultura, a pesca e o artesanato, que se vêem substituídas por esta indústria que alterou profundamente o carácter da sociedade: Ávidos na promoção os governos desviam recursos sociais para serem investidos em infra-estruturas turísticas, subtraindo mão-de-obra e promovendo o fim da produção agrícola. Concentram os benefícios na comunidade empresarial e oligárquica. Alteram o valor da terra (reservas naturais transformadas em PIN) propiciando a especulação imobiliária. O valor de mudança e uso do solo foram drasticamente alterados, produzindo um grave deterioro meio ambiental, e nalguns casos uma alta concentração espacial que deu lugar à criação de estruturas urbanística infra-utilizadas, que dado o seu carácter sazonal transformam -se em desertos fantasmagóricos, na época baixa. Mais que o turismo pode dizer-se que a construção foi a chave que sustentou o mito de emprego e rendimentos… Pela região alguns responsáveis políticos proclamavam como autenticas Pitonisas de Delfos em transe, milhares de empregos directos e indirectos, mas onde andarão eles? Além do mais as políticas governamentais impuseram um valor comercial a qualquer objecto de arte ou de antiguidade para mercantilizar a cultura, distorcendo até a própria realidade com imagens enganosas. Intimidando com este tipo de discursos genuínos estilos de vida locais, para promover a adulteração dos vínculos morais das comunidades anfitriãs em meras ligações monetários, particularmente nas relações da tradicional hospitalidade. Proporcionando igualmente a ruptura social e a decadência da consciência de classe ao distanciar socialmente e geograficamente as capas mais pobres das classes endinheiradas, ao oferecer uma visão parcial, polarizada e acrítica de outras sociedades. António Delgado
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