quarta-feira, 5 de maio de 2010

...marcadores de civilização..."eu não ando a arrancar batatas"...


A vida do campo é dura. É inevitável a dureza da condição na luta pela subsistência. Paga-se no prometeico sacrifício, o protagonismo de retirar à terra o seu sustento. É dura a condição humana de simples intérprete das manhas, disposições e dos humores da natureza.
Em parágrafos de conversa, com deputados do Bloco de Esquerda, falavam com desdém da agricultura, demarcando-se em relação à inferior condição de almas trigueiras, dizia um deles “eu não ando a arrancar batatas, a minha mundivisão é mais alargada.” SINAL DE ALARME! Com estas tiradas e sem formação na área (escritos, investigação, participação em congressos), pertence agora à comissão parlamentar de agricultura:) É agora um douto defensor desta causa, conhecido, a nível nacional, regional e entre os vizinhos:) :) Uma impostura cravejada nos parágrafos do “refrão do igualitarismo”, apregoado de forma quase convincente no panfleto propagandístico da “ousada” política agrícola.
A vida do campo é dura. É inevitável, nestes lugares de excepção, o frio das madrugadas, o quase silêncio, enganado pelo madrugador roncar de um motor de rega.
Às sete horas da madrugada, já regressada da rega dos pimentos, confessava-me a ti Ascensão: “- A vida no campo é excomungada, hoje não levei a burra, tive de “carranjar” a água do poço, …, mas morria ao segundo dia atrás do balcão, aquilo é pior que uma prisão.” … rematou então: “fiz tudo para dar o curso aos filhos, lá andam por Lisboa…não é que não gostasse que ficassem por aqui, eu não troco isto por nada… mas, nunca seriam ninguém...”
…NUNCA SERIAM NINGUÉM… Marcas imperecíveis dos marcadores de civilização, será com toda a certeza uma invenção tardia o resgate da dignidade e da valorização do esforço das gentes do campo, mata-se a vida das pessoas em nome de uma tal mundivisão histérica de doutos cágados “que não urinam (cagam) nem defecam (mijam)”… “discriminadora”… traficam-se conceitos viciados de classe e de estatuto social… talham-se e amputam-se condições humanas…
É inevitável, nestes lugares de excepção, o cansaço espantado por uma malga de caldo, o desanuviar das pernas, sempre doridas, a escolha aqui é sempre tão reduzida, mas ainda assim é sempre mais livre.