"O telégrafo deixara de funcionar; ou fora a atmosfera que deixou de funcionar, o que naquelas circunstâncias dava igual. Halípio escreveu uma mensagem com um novo pedido de socorro, colocou-a numa garrafa, selou-a e lançou-a ao mar. A garrafa não se afastou, foi-os seguindo sempre, como um cachorrinho tímido, e inclusive chamou outras. Ao vigésimo sexto dia deram com umas boas centenas de garrafas a rodear o barco. Lançaram as redes à água e pescaram algumas. Não eram mensagens de marinheiros que, como eles, houvessem perdido as graças do mar. Eram antes - assegurou-me Halípio baixando a voz- recados do além: na primeira garrafa que abriram encontraram uma mensagem da mãe do radiotelegrafista, falecida quando este era ainda muito criança num estúpido acidente doméstico.(...) Os mortos requeriam nas suas mensagens pequenos favores dos vivos, e a indulgência da sua memória, desculpavam-se por episódios passados, esclareciam outros.Os pescadores estavam tão esfomeados que se alimentaram das mensagens, cozinhando-as com um pouco água da chuva. Halípio guardou apenas um bilhete da avó, no qual esta transmite a receita dos famosos bolinhos de bacalhau e vaticina que um dia, quando Angola for independente, essa receita será muito útil. Halípio mostrou-me o bilhete. Um papel amarelo. Tinta azul, um pouco desbotada. Arrancou-mo das mãos antes que eu conseguisse ler o segredo. Os bolinhos são maravilhosos, acreditem: uma receita do outro mundo." Barroco tropical - José Eduardo Agualusa
...o mundo já tem demasiado asfalto, já não existem florestas onde os corajosos se possam esconder... ...Cuidado com o que desejas, pode tornar-se realidade...
... é preciso compreender a realidade para a poder transformar...
...As mariposas voam para dentro da chama da vela, e a coisa não parece acidental. Elas fazem de tudo para se entregar ao fogo como numa oferenda...
...e o afagar dessas mãos já desenha na pele a promessa futura...
... esperamos com uma carícia que o outro se transforme em carne... ... vou desembarcar dessa vida em que andava à deriva no amor....
...somos todos culpados de tudo e de todos perante todos, e eu mais que os outros...
"... o esforço feito para imprimir um ritmo à prosa não deve deixar vestígios..."
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