"O telégrafo deixara de funcionar; ou fora a atmosfera que deixou de funcionar, o que naquelas circunstâncias dava igual. Halípio escreveu uma mensagem com um novo pedido de socorro, colocou-a numa garrafa, selou-a e lançou-a ao mar. A garrafa não se afastou, foi-os seguindo sempre, como um cachorrinho tímido, e inclusive chamou outras. Ao vigésimo sexto dia deram com umas boas centenas de garrafas a rodear o barco. Lançaram as redes à água e pescaram algumas. Não eram mensagens de marinheiros que, como eles, houvessem perdido as graças do mar. Eram antes - assegurou-me Halípio baixando a voz- recados do além: na primeira garrafa que abriram encontraram uma mensagem da mãe do radiotelegrafista, falecida quando este era ainda muito criança num estúpido acidente doméstico.(...) Os mortos requeriam nas suas mensagens pequenos favores dos vivos, e a indulgência da sua memória, desculpavam-se por episódios passados, esclareciam outros.Os pescadores estavam tão esfomeados que se alimentaram das mensagens, cozinhando-as com um pouco água da chuva. Halípio guardou apenas um bilhete da avó, no qual esta transmite a receita dos famosos bolinhos de bacalhau e vaticina que um dia, quando Angola for independente, essa receita será muito útil. Halípio mostrou-me o bilhete. Um papel amarelo. Tinta azul, um pouco desbotada. Arrancou-mo das mãos antes que eu conseguisse ler o segredo. Os bolinhos são maravilhosos, acreditem: uma receita do outro mundo." Barroco tropical - José Eduardo Agualusa
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